domingo, 20 de outubro de 2013

O OUTRO MEDO

Enfiar a cabeça dentro da boca de uma leão? Andar de madrugada por lugares ermos e perigosos? Enfrentar bandidos? Enfrentar uma sobrecarga de trabalho? Tudo isso é fichinha perto do outro medo que sinto, um medo que ultrapassa os limites das minhas decisões, porque está fora de mim. Mas só me atinge porque permito, porque sou frágil... O medo das relações, do passado, do que sobrou ou não é um medo um pouco mais complexo de se lidar, pois não sei como agir, não sei o que sinto. Sinto falta de produzir mais, falta de uma tranquilidade que havia antes. Ou não. O medo de ser magoado de novo e de novo, de nunca saber certas coisas que aconteceram e como e por que? Medo do fracasso, do erro, da repetição no erro. Medo do amor jogado no boeiro.

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

HOMEM QUE É HOMEM

Homem que é homem não chora;
                                  bate bola;
                                  escreve melhor ou não escreve nada;
                                  tem grana ou é pobre e esperto;
                                  não aceita ajuda de mulher;
                                  não tem direito a sentimentos;
                                  é de direita;
                                  ou playboy da esquerda;
                                  já brincou de lutinha e dá porrada!
Homem que é homem gosta de UFC;
                                  enche a cara até cair;
                                  adora uma nene, uma gostosinha, um rabo de saia, uma buça;
                                  antigamente vinha de cavalo branco;
                                  acha tudo engraçado, inclusive humilhar seus inferiores;
                                  gosta mesmo é de carros;
                                  é forte;
                                  é vigoroso e grosseiro;
                                  xaveca mulher.
Homem que é homem é um babaca.
                               

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

SAN JÃO

Ah, São João...

Há sempre um momento na madrugada fria e solitária em que te odeio e que quero me ver a milhas daqui. Mas há tantos outros momentos bons que me fazem ter alegria de viver em você.
        Nas ruas de casas juntas e coloridas;
        Nos embates políticos que embalam a vida urbana;
        Nos cantos cheios de música que se espalham pela cidade;
        Pelas ruas tortas de paralelepípedo que insistem em levar minha mente para outro tempo e lugar;
        Na universidade cheia de gente bonita pensando o país;
        No Levante, que me tirou do chão, inspirando Amor e Luta!
        Nos Coletivos de gente linda e que quer um mundo melhor;
        Nos bares onde a poesia chega pra inflamar nossa alma e nossos corpos;
        Nas bibliotecas/ cheias de livros que ainda não li;
        E nas escolas cujo cotidiano ainda não conheci;
        Nas trocas de ideias, vivências, sentimentos junto a essa família de amigos, de colegas, professores..
       Nas auto-descobertas
       Nos amores que se perderam no olhar.
Na sa gente cheia de fé, cheia de engajamento e as vezes até amor!

Ah, São João...

sábado, 17 de agosto de 2013

MAIS UMA DA DESCARTABILIDADE MASCULINA

                 Se uma mulher que esteja se relacionando comigo aparecer dizendo que no passado teve uma relação homossexual eu vou aceitar imediatamente e a primeira coisa que pensarei será "Hmm, que tesão!", "Nossa, que beleza, duas belezas juntas.." "Por que não me chamaram pra estar junto?" (conhecendo um pouco do universo das lésbicas, sei que essa última frase é um insulto, mas é só pra ilustrar os pensamentos comuns dos homens diante desse tipo de situação...)...
                Agora, experimenta inverter a situação: sendo um cara que chega pra uma menina que está afim (pessoas que estão se relacionando informalmente, não pessoas casadas, uma questão de princípios meus, acho que se ambas as partes concordaram em ter um compromisso isso tem que ser respeitado...) e diga pra ela: "Po gata, estou super afim de te beijar, mas ontem rolou um lance e fiquei com um amigo meu!"
             Puuutzzz... pára tudo que eu quero descer. Nesse momento desmorona qualquer chance que esse cara tenha de ser visto como um cara "pegável". Parece que imediatamente um sentido de horror se instala sobre a mulherada, que ou se escandaliza ou apresenta uma postura de ser a super liberal que vai "apoiar o amigo na conquista de seus direitos LGBT...", mas não, no fundo ela não vai ficar com ele, vai posar de legal, levantar bandeiras e de perto vai beijar o primeiro machista burro que ver... Como disse uma personagem da novela da globo alguns dias atrás, sobre a traição do homossexual Félix à sua ex-esposa: "Taí um tipo de traição que mulher nenhuma é capaz de suportar..."
             E por que isso? Por que enquanto homem eu tendo a achar bonito e até erótico uma relação homossexual feminina e no universo das mulheres uma relação homossexual masculina de um parceiro delas é considerado um horror?? Por que a sociedade está construída dessa maneira? É mais uma peripécia do super poderoso e onipresente machismo, determinando o modo das relações e oprimindo tod@s!
                Sim, o todo opressor machismo, que tá espalhado por aí, inconsciente coletivo da humanidade afora e oprimindo os dois lados. Gostar automaticamente de relações homossexuais femininas? É claro, afinal a mulher não passa de um objeto sexual não é mesmo? Ela é apenas "O outro" em relação ao homem, serve somente pra servir aos meus desejos sexuais, então dois objetos sexuais do homem se pegando... Não tem problema nenhum. Mas dois homens se pegando??? Subvertendo toda a função de macho inabalável, provedor, insensível.... não, não aí não pode!!! Aí é um terror, aí é inaceitável! Ou, o que é ainda mais hipócrita, é aceitável, mas desde que você se encaixe numa categorização qualquer de gênero que vou lhe dar, e vá lutar por seus direitos lá na parada gay e na boate cult onde irei aparecer do seu lado nas fotos, pra manter minha imagem falsa de liberal... Mas se aproximar da minha vida íntima? Ter uma relação amorosa comigo? Jamais, você é "gay´"!!
                Talvez as pessoas não vejam sentido no que estou escrevendo, mas sim, existe um sentido sim. É aí que percebo que a homofobia é filha do machismo, porque "como assim, existem seres que subvertem essa lógica do macho supridor, violento e predador??"... Não, não... está errado, não é "natural"... Quem é que determina o que é natural??? A Bíblia? Escrita há mais de dois mil anos, com várias traduções e modificações, vários evangelhos apócrifos..
                Acho que na Grécia antiga houve uma época em que os valores comportamentais e morais eram completamente diferentes. Acho que homens e mulheres tinham relações homo e heterosexuais simultaneamente. Na verdade não sei como era a questão das mulheres nesse período, mas a homossexualidade masculina era muito mais aceita pela sociedade, talvez porque os ideais construídos do que era um homem fossem outros. 
              Os gregos antigos eram mais devassos do que somos hoje? Será que a sociedade atual é melhor? Conquistamos valores morais que efetivamente serviram para o progresso da humanidade ou retrocedemos?

terça-feira, 13 de agosto de 2013

SOBRE SER MULHER

                       Ontem, sentado devorando uma imensa fatia de bolo de chocolate que minha irmã não pode comer por ter enxaqueca crônica, patologia que ocorre predominantemente em mulheres, percebi o quanto sou privilegiado na condição de ser do sexo masculino. É mais liberdade pra trabalhar, mais força física, menos hormônios zoando o corpo todo mês, menos preconceito nas manifestações da própria sexualidade (salvo se eu tiver um comportamento homoerótico...), mais aceitação no mercado literário, mais poder econômico e político, muito mais coisas, afinal de contas a sociedade inteira foi construída por e para nós homens. 
                        Só que não.
                        Inevitavelmente, no decorrer da minha vida venho aprendendo a ser mulher. Não como uma necessidade transexual de querer um corpo que não tenho, nem como uma vaidade, nem mesmo como uma falta de virilidade.Mas como um modo de perceber e viver a vida. Paulo Freire costumava falar "nós educadoras, isso mesmo, nós educadoras, incluindo todos os homens nessa palavra... Ah, aposto que os homens mais preocupados com a imagem de sua virilidade se sentiram incomodados com a brincadeira, aposto que não se reconheceram nem se sentiram incluídos com o 'nós educadoras'. Puderam sentir na pele um pouco do que as mulheres sentem todos os dias.'  Quando o macho está estruturando até a linguagem, o machismo se torna uma força que estrutura a sociedade e também o inconsciente coletivo. Como está em praticamente todos os lugares, dentro de casa, na linguagem, nas estruturas sociais, o machismo é reproduzido e ensinado inclusive pelas mulheres. E... bem, é aí que eu venho aprendendo o que é ser mulher. É claro que jamais sentirei todas as aflições pelas quais elas passam, minha condição biológica não permite isso. Mas a psicológica sim. 
                       A clássica frase da Beauvoir já dizia que "não se nasce mulher, se faz mulher..." e é por isso que um travesti é sim senhor, uma mulher, já que ele se construiu como uma mulher, apesar de não ter o aparato biológico. E é através de certas violências machistas cometidas pelas mulheres que podemos sentir na pele um pouco (e eu quase morro com apenas um pouco) da dor que elas sentem.  
                       Sou violentado sutilmente todos os dias. Talvez por ter sido criado apenas por mulheres, eu sinta as coisas de um modo um pouco diferente dos outros caras, não sei, sei que existe muita dor... Mas só o que eu escuto é que é um melodrama da minha parte, que é claro que eu criei tudo com a minha cabeça. Que a agressora está apenas vivendo a própria vida e que eu que criei as agressões (mas deveria ter fotografado o corpo cheio de hematomas!). Não é nem um pouco fácil falar ou escrever sobre isso, e só o faço por uma necessidade de tirar esses sentimentos ruins de dentro de mim. Não é uma indireta e nem uma acusação a ninguém, apenas uma reflexão e um agradecimento. Pois isso tem me ensinado o que é a violência sutil, a violência invisível. Eu simplesmente não tenho mais coragem, por exemplo, de dizer pra minha irmã que a roupa dela está curta (sugerindo que ela seria responsável por qualquer violência que lhe acometam, a culpabilizando...)     
                     A cada vez que alguém comenta que sou eu quem está "criando mágoas", quando uma pessoa com quem tive uma relação amorosa trata até o cachorro da esquina com o maior amor e me elege como um alvo pra ignorar, ridicularizar, agredir, provocar, me sinto exatamente como uma mulher que foi estuprada mas tem que ouvir "ninguém mandou andar por aí com essa roupa de piriguete!" Sei que nesse meu caso ninguém pode fazer nada para evitar a violência, porque não é visível, eu precisaria de que a  própria pessoa despertasse para a violência que vem cometendo...Tudo é muito didático e estudar o feminismo me deu essa clareza de que eu venho sendo violentado, com atitutes machistas e ao mesmo tempo sutis, ironicamente, por quem começou a me ensinar o feminismo, mas que na realidade não o vive...
                Por mim não se pode fazer muito. Gostei de ter conhecido o conceito da DESCARTABILIDADE MASCULINA, que é exatamente o que vem acontecendo comigo. Como há uma inversão de papéis e uma mulher me agride com atitudes machistas, isso passa pelo ridículo, passa despercebido e ganha um status de invisibilidade. Como assim eu, um macho, sou agredido, quando a grande oprimida é ela, mulher? Acontece que os valores e também as práticas opressoras se invertem ao longo da História. Só que a sociedade de um modo geral é meio lentinha pra perceber certas mudanças... A emancipação da mulher ainda é algo super recente. Elas (nós!) ainda precisam conquistar muitas coisas, então quem é que vai atentar para a violência que é cometida contra os homens? Mas enfim, podemos pelo menos fazer algo pelas mulheres que sofrem violência de maneira mais visível, através das campanhas de conscientização contra a violência deflagrada, através das leis de Proteção à Mulher... Todos os dias busco contribuir um pouco na conquista dos direitos delas, pois sou pai, irmão e filho, portanto conquistar os direitos e liberdades delas também é uma luta minha. 
                Mas uma mudança de mentalidade coletiva não se dá do dia pra noite. Sei que as agressões não vão parar tão cedo, até porque não são facéis de se identificar....Mas tento articular um pouco das emoções com as palavras pra ver se a dor vai se dissipando...
                E apesar do pouco que contei, das fortes emoções que tento aprender a controlar, ainda assim eu não sei o que é carregar e gerir uma criança, que vai sugar você pelo resto da vida. Não sei o que é ser sempre, sempre culpabilizada pelo que acontece, não sei o que é viver à sombra de alguém, seja pai ou marido, ou patrão...Não sei o que é ter meu sexo condenado, reprimido, temido, amado e odiado... Não sei o que é trabalhar até esgotar todas as forças e ainda assim não ter nenhum reconhecimento.
               É, não sei... porque apesar de toda minha dor, ainda posso me levantar e vir trabalhar. Ainda posso construir, posso erguer a cabeça e claro, teoricamente quanto mais mulheres eu começar a pegar melhor pra minha imagem social enquanto minha ex vai sempre gerar mal estar nas suas aventuras... E é por essa diferença histórica e biológica, que acredito que nós homens temos que também buscar meios, em sociedade, de compensar essas vantagens que temos sobre as mulheres. Principalmente as mais vulneráveis, mães solteiras, negras... Temos que pensar políticas públicas que garantam uma vida digna a elas! E acima de tudo, precisamos fazer muita educação, nem que seja preciso escancarar certos aspectos desagradáveis da vida, como fiz, para ilustrar uma situação de opressão, para que no futuro não exista mais nenhum tipo de violência ou opressão. Nem sutil nem escancarada. 


VIVA AS MULHERES!